Saber parar…



“Para tudo há um tempo debaixo dos céus:

Tempo para nascer e tempo para morrer,
Temp
o para procurar e tempo para perder,
Tempo para guardar e tempo para deitar fora” (Ecle 3,1.6).


Em tempo de férias é sempre oportuno reflectirmos sobre

o bem mais precioso da nossa vida: o tempo.
Perguntem
ao estudante que reprovou, quanto vale um ano!

Perguntem à mãe que teve o bebé prematuro, quanto vale um mês!

Perguntem aos namorados que não se viam há muito, o valor de uma hora!

Para perceber o valor de um minuto,

perguntem ao passageiro que perdeu o avião!

Para perceber o valor de um segundo,

perguntem a uma pessoa que conseguiu evitar um acidente!

Assim nos mostra a vida como é precioso cada ano,

cada dia, cada hora ou fracção de tempo.

Será por isso que se diz que “o tempo é dinheiro”?

Ou será que o tempo, como a moeda,

se vai desvalorizando na nossa vida cronometrada do dia-a-dia?

E, no entanto, Deus dá-nos todo o tempo do mundo de graça.

De graça…


Os antigos consideravam

que a verdadeira ocupação do homem

era não fazer nada.


Os monges tentaram manter vivo este ideal do homem

ciente da sua vocação: não fomos criados para trabalhar,

mas para louvar o criador;

estamos neste mundo não para explorar a terra,

mas para cuidar do jardim da criação.

Reza e trabalha

(ora e labora),

foi a fórmula de equilíbrio

encontrada pelos

mestres espirituais

que sempre consideraram

o ócio e a contemplação

tão importantes como o trabalho.



Na escola, na família e na sociedade

preparam-nos para o trabalho,

mas não nos preparam para o ócio

nem nos ensinam a saber “perder tempo”.


Não nos faltam meios e propostas para matarmos o tempo,

em vez de nos ensinarem a arte de vivê-lo com sabedoria:

uns matam o tempo diante do televisor,

outros “ocupando os tempos livres”

para que nunca estejam livres;

outros em actividades radicais,

para que nunca cheguem

à raiz das coisas e dos problemas…

Matamos o tempo

para não nos cruzarmos com a morte,

e fugimos à morte

para não nos encontrarmos com a vida.

Passamos a vida a correr contra o tempo,

a lamentar-nos que “não temos tempo”,

quando afinal o tempo só nos foge

porque nós corremos contra ele.



Construímos vias rápidas e máquinas velozes

para ganhar tempo, mas é o tempo que foge

e passa depressa sem nos permitir

contemplar a paisagem de cada dia

e saborear as paragens

que a vida nos proporciona.

Tornamo-nos escravos do relógio

e cada vez sabemos

menos “a quantas andamos”.


Na ilusão de corrermos contra o tempo

estamos a correr contra nós,

pois não vivemos realmente

e acabamos por queimar o tempo e a vida.

Como é difícil valorizar o tempo presente

que Deus nos dá, vivendo o ritmo quotidiano da vida...


Os mais velhos continuam a sonhar com o passado

sempre “muito melhor” (no meu tempo é que era bom!),

enquanto os mais jovens vivem

obcecados com o futuro.

Vamos assim contando os dias e os anos

sem vivermos cada momento e cada dia:

uns sempre atrasados ou desactualizados,

outros tão avançados que parecem

viver n outro planeta e fuso horário.


Necessitamos de reaprender a arte do ócio,

de dar tempo a nós mesmos, à família, aos amigos.












Precisamos aprender a perder tempo com coisas “inúteis”:

pararmos a admirar o mistério do amanhecer,

saborear a brisa da madrugada que nos fala de Deus,

escutar a polifonia dos pássaros que cantam sem contrato,

ouvir o silêncio das criaturas e decifrar as mensagens das estrelas…


O tempo de férias constitui uma ocasião

propícia para acertarmos a vida

pelo relógio do sol e pelo ritmo das criaturas.

É o tempo em que podemos

tapar os ouvidos ao bater das horas,

para escutarmos mais as batidas do coração.


Longe de ser um tempo para “passar” ou mal gasto,

as férias deveriam ser o tempo bem empregue:

onde conseguimos arranjar agenda para nós

e para os outros; onde redescobrimos

que o dinheiro não é tudo,

que as melhores coisas da vida não se compram,

pois são grátis, são graça.


Longe de ser um tempo de evasão,

as férias deveriam ser tempo de encontro,

de reflexão, de avaliação;

deveriam ser uma ocasião para passarmos

do tempo de fazer (ter que fazer), para o tempo de viver,

o tempo de experiência da autenticidade e da criatividade;


Uma oportunidade para

passarmos das evasivas utopias

da máquina do tempo para

voltarmos a “ter tempo”

e a vivê-lo com magia e fantasia infantil.


Quem dera

que pelo menos

as nossas férias

fossem um tempo

da experiência

compartilhada

com o outro,

tempo favorável ao encontro,

tempo cheio de significados.


Como tão bem observou Marcel Proust:

“Uma hora não é uma hora, é um vaso

cheio de perfumes,

sons, projectos e climas”.


Uma vida não é vida se não for
assim:
cheia de perfumes,
sons, projectos e climas.


Pois, afinal, a vida não é o tempo

e os anos que vamos contando,

mas uma história de tempos,

lugares e encontros cheios de tudo isso.


Dizia a raposa ao Principezinho,

“foi o tempo que perdeste com

tua rosa que fez a tua rosa tão importante”.

Porque esta continua a ser uma verdade

esquecida dos homens, é importante

que haja quem saiba

e ensine a “perder tempo”

com o mais importante.

E o mais importante,
continua a ser
“criar laços” e
“deixar-se cativar”.



Sem comentários:

Enviar um comentário